Live “Preto: potência dos pés à cabeça”

Live "Preto: potência dos pés à cabeça"

Preto: potência dos pés à cabeça

Pensar em saúde mental é pensar no humano, frente a sua coletividade e individualidade. Olhar para a humanidade é falar de raça. Desde 2015, pretos e pardos passaram a representar a maior parte da população – saltou de 89,6 milhões em 2012 para 96,7 milhões em 2018.

Para Aristóteles, o ser humano só se realiza ao “alcança sua essência”. Mas não basta a garantia a sobrevivência ou um certo conforto material, de acordo com a perspectiva Aristotélica “a finalidade não se resume a ‘viver’”, isto é, satisfazer as necessidades básicas, mas também o ‘viver bem’, ou seja, a vida feliz, que inclui a sua subjetividade.

Quando o assunto se torna humanidade, ser a maior parte da população, conforme ilustra os números acima, encontra-se longe de retratar a classe econômica e de poder dominante. Aqui morre parte da tal “representatividade”.

Segundo Aristóteles: “Não Gregos, são bárbaros!”. Bárbaro, pelo dicionário é, adjetivo substantivo masculino, e possui diferentes significados. No contexto histórico, representa para os gregos, romanos e depois para outros povos, o que ou quem pertencesse a outra etnia ou civilização e falasse outra língua que não grego, neste caso o estrangeiro. Por extensão, compreende-se também aquele que é cruel, desumano, feroz.

Com clareza, observa-se o segregar, desqualificar e desumanizar, pelo simples fato de não ser igual. Agora, que este perde o seu contexto humano, logo, não se tem mais o privilégio a comunidade, sendo assim lhe impossibilitado a ‘vida feliz’ segundo a perspectiva Aristotélica. Através de um viver oprimido, o ser jamais satisfaz suas necessidades, sendo assim, não se realiza (ou, em outras palavras, alcança sua essência). Impossibilitado de existir é extinto.

Na atualidade a extinção do povo preto é a sua herança. Séculos se passaram e novos modelos de exclusão se adaptaram, fazendo com que essa ferida jamais pudesse sarar. A população negra foi sequestrada do seu continente e, em situação de escravidão colocada, retira-se assim toda a possibilidade de poder ser em sua potência”.

Next é, uma palavra em inglês que permite as seguintes traduções de seus significados para a língua portuguesa: contíguo, seguinte, próximo, logo em seguida, junto a. Após ser criado como Bárbaro, o que resta? O preto continua a existir quando e por onde lhe é permitido. Como reflexo dessa esganadura social diária, podem surgir, por exemplo, ansiedade e depressão, entre outras patologias. Tornando-se fruto de uma cisão às vezes parcial e em outras completa com o que somos.

E é o jovem negro que paga o preço. Ele é impossibilitado de se ver em toda sua plenitude. Segunda pesquisa realizada pelo ministério da Saúde, as chances de um adolescente cometer suicídio é 45% maior na população preta. Entre os do sexo masculino, aumenta-se em 50%, se comparados aos brancos também na faixa etária.

O levantamento mostra que entre as principais causas associadas ao suicídio entre negros estão a ausência de sentimento de pertencimento, sentimentos de inferioridade e de incapacidade, a rejeição, a violência e a solidão.

De acordo com a política nacional de Promoção da Saúde, os determinantes sociais são diferenças nas condições e nas oportunidades de vida que podem gerar desigualdades injustas e evitáveis. Pessoas pretas e não pretas precisaram entrar na dialética entre o falar e o fazer, e se posicionar com ações de mudança efetiva.

A morte da população negra se dá de diferentes maneiras todos os dias: ocorre pelo genocídio, pelo epistemicídio (processo de invisibilização e ocultação das contribuições culturais e sociais não assimiladas pelo ‘saber’ ocidental), pelo apagamento, ausência de narrativas próprias em diferentes espaços sociais, e pela reprodução irrefletida dessas violências. E em todos esses lugares um vetor em comum, a educação.

A lógica da educação brasileira, foi por muito tempo o ideal europeu, sendo ele homem europeu e cristão perfeito, naturalmente superior, exemplo do bem, da beleza e da verdade. Este implica que todos os outros seres tenham sua humanidade diminuída, imperfeita, o que justificaria a sua dominação, exploração e até mesmo a sua morte.

Mudar a lógica de educação torna-se imprescindível, quando pensamos em uma “arma” contra o preconceito. Uma vez que o conhecimento, que é difundido pela educação é encontrado em diversos lugares, seja na rede de profissionais, na educação básica, secundária, universitária, no grupo de amigos, no barzinho da esquina, nos grupos de troca de mensagens, ela vai do Pentágono à Babilônia. A educação pode gerar elo entre o contexto social, cultural, político, econômico e ambiental, ensinando e apreendendo, fortalecendo ou destruindo, é aqui que se faz a ação de mudança para com a histórica futura, coletiva e individual.

Contra esse cotidiano de exclusão ensinar o acolhimento a sua história, o não apagamento de suas origens, a liberdade de ser autêntico e o respeito, esse é o mecanismo contra o pré-conceito que vê o trabalho feito por mãos e pés pretos e agora entende que a mente preta é uma potência e precisa ser respeitada.

Assim, será possível ao preto se olhar com afeto, se sentir digno de amor e criar referências para se ver como qualquer outra pessoa no mundo, podendo agora existir e Ser em si, digno, pertencente, aceito e bem-quisto.

Dito isso, convidamos todos para o bate-papo virtual “Preto: potência dos pés à cabeça”, que ocorreu no dia 22/06, às 17h, no Instagram do Sesc Madureira. A palestra virtual teve cunho educativo e objetivo de debater, a partir de um recorte humanístico e científico, sobre a saúde mental e como a ausência da mesma tem contribuído para um genocídio silencioso na população preta. O evento foi livre e gratuito.

 

Mariana Leão
Mulher negra, psicóloga por formação. Pós-graduada em gestão de pessoas pela USP e coordenadora do projeto “CAMPOS PSI

 

Referência: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/obitos_suicidio_adolescentes_negros_2012_2016.pdf

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