Breve contexto do Movimento da Cultura Maker e Educação
Por Adriano Silva da Rocha
Investir em Educação, Ciência e Tecnologia é de grande valia e importância para o desenvolvimento social e econômico de um país. Oportunizar acesso e inclusão social por meio do domínio de conhecimentos científicos e tecnológicos é pressuposto para o exercício da cidadania. Mais do que conhecer Ciências, é necessário saber pensar e agir cientificamente para compreender e atuar sobre o mundo de maneira adequada e consciente. Considerando a velocidade e o dinamismo com que conhecimentos científicos e tecnológicos se multiplicam e se renovam, há a necessidade de permanente atualização.
E nós da equipe de Arte, Ciência e Tecnologia do programa Educação do Sesc RJ, reafirmando nosso compromisso com a educação, com a divulgação científica e com a democratização de acesso ao conhecimento, num momento tão crítico como o que estamos enfrentando mediante à pandemia, elaboramos este material que aborda a Cultura Maker e a possibilidade de aplicação desta “metodologia-filosofia” em contextos e processos educativos.
Nosso objetivo é contribuir para o surgimento e a manutenção de uma educação libertária e significativa que evidencie o protagonismo das pessoas em seus processos socioeducativos, bem como, a produção de conhecimentos. As informações aqui elencadas expressam o seu valor instrumental, tendo como foco o processo educativo e as relações sociais e humanas, desta forma, entendemos que são sobre pessoas expressando suas identidades com as tecnologias, com os conhecimentos científicos e, por conseguinte, a produção de novos conhecimentos, bem como, a democratização do saber. E sobre isto, entendemos ser uma tarefa coletiva.
As transformações mundiais:
Nanotecnologias, neurotecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, drones e impressoras 3D. Todas estas palavras citadas anteriormente fazem parte da 4º Revolução Industrial, termo cunhado no Fórum Mundial de Davos em 2015. Nessa revolução tecnológica as áreas da biologia, física e digital tem se fundido, transformando nossa forma de agir e interagir.
A robótica está cada vez mais presente, automatizando tarefas repetitivas e aumentando a produtividade enquanto que os dispositivos, máquinas e até as pessoas estão cada vez mais conectadas (IOT) gerando um ambiente integrativo. A internet e a computação em nuvem permitem um acúmulo e troca de dados nunca visto na história da humanidade. Novas formas de produção e projetos, como a simulação, realidade virtual e aumentada e a impressão/fabricação digital estão mudando as nossas relações.
A dita 4º Revolução Industrial ocorre após três processos históricos transformadores. A primeira marcou o ritmo da produção manual à mecanizada, entre 1760 e 1830. A segunda, por volta de 1850, trouxe a eletricidade e permitiu a manufatura em massa. E a terceira aconteceu em meados do século 20, com a chegada da eletrônica, da tecnologia da informação e das telecomunicações. A quarta mudança traz consigo uma tendência à automatização total das fábricas, a automatização acontece através de sistemas ciberfísicos, que foram possíveis graças à internet das coisas (IOT) e à computação na nuvem. Os sistemas ciberfísicos, que combinam máquinas com processos digitais, são capazes de tomar decisões descentralizadas e de cooperar – entre eles e com humanos.
A 4º Revolução tem o potencial de elevar os níveis globais de rendimento e melhorar a qualidade de vida de populações inteiras. Certamente, o processo de transformação só beneficiará quem for capaz de inovar e se adaptar.
Tecnologias como direito ao conhecimento:
A revolução tecnológica que assistimos nos últimos anos tem impactado diretamente nossas relações sociais e a maneira que devemos estar no mundo. Toda esta revolução tem promovido deslocamentos e exigindo uma educação que dialogue e instrumentalize as pessoas com todo este aparato e inovação tecnológica, sob pena de exclusão social daqueles que não acompanham este processo. O desafio do processo educativo, nos dias atuais, é tornar-se mais significativo, promovendo conexões com o mundo e das pessoas, por meio de pedagogias progressistas que buscam evidenciar o protagonismo dos aprendizes na resolução de problemas reais do cotidiano, rompendo com estruturas de poder tradicionais e contribuir para o empoderamento das pessoas para que elas tenham controle do seu processo de aprendizagem. Para Blikstein (2008) “ter em mãos múltiplas tecnologias aumenta e torna possíveis empreendimentos inerentemente humanizadores: criação, expressão e interação”.
A educação como um processo, não é o fim em si mesmo, ela precisa sofrer atualizações e ressignificações para o seu aprimoramento. E o emprego de tecnologias no âmbito das práticas educativas pode contribuir para a promoção da valorização da diversidade cultural, diminuindo distâncias entre as pessoas. Ao mesmo tempo, promove a inclusão digital e a social.
O advento da Cultura Maker:
O movimento DIY (Do It Yourself – em português Faça Você Mesmo) surgiu na década de 50, em função do alto valor da mão de obra na época. Além disso, por ser um período de pós-guerra, os recursos e materiais também estavam escassos, o que exigia adaptações criativas. O movimento DIY tanto originou a Cultura Maker, como a baseou. Como o nome sugere, as práticas DIY envolvem fabricar, consertar ou montar algo por conta própria, sem a necessidade de contratar terceiros para fazer esses serviços, estimulando a criatividade e proporcionando a gostosa satisfação no fim do processo.
Na década de 70, a aparição dos primeiros computadores pessoais sinalizava o que seria a Cultura Maker, porém, foi no começo dos anos 2000 que o movimento Maker se consolidou oficialmente via criação da revista Make e o surgimento da Maker Faire – uma feira para que os makers (ou fazedores) pudessem se encontrar, produzir e compartilhar suas ideias.
Em 2005, o inglês Dale Dougherty, lançou um editorial, um manifesto com os preceitos do movimento. Futuramente esse editorial se tornaria a revista Make Magazine, nesse manifesto, o autor discorre sobre os pilares e referenciais do movimento:
Manisfesto Maker:
1- Faça: nada melhor do que fazer e criar algo que nos expresse. E isso é um motivo para nos sentirmos completos e felizes.
2- Compartilhe: toda criação ou aprendizado deve ser compartilhado. É uma satisfação que todos percebem. Como não compartilhar isso?
3- Presenteie: a sua criação conta um pouco de você. Então, por que não presentear alguém com o seu verdadeiro “eu”?
4- Aprenda: aprender vai garantir uma existência produtiva e feliz. Então queira aprender, mesmo se você já for especialista ou experiente.
5- Equipe-se: cada projeto exige ferramentas adequadas, que sejam baratas, acessíveis e fáceis de usar. Investir e desenvolver um acesso local vai te permitir fazer tudo o que planeja.
6- Divirta-se: veja seu projeto também como algo divertido. Isso vai te proporcionar novas descobertas e orgulho quanto ao que você faz.
7- Participe: não deixe de ir a seminários, festas, eventos e outras atividades com adeptos do Movimento Maker!
8- Apoie: todo projeto precisa de apoio emocional, intelectual, financeiro, político e institucional. Contribua para um mundo melhor.
9- Mude: a mudança é um processo natural na criação de um projeto e você deve aceitá-la. Isso vai te deixar mais conectado às coisas que você faz.
10 – Permita-se errar: é errar para aprender. Aproveite o erro para chegar à perfeição, mas não o transforme em medo de tentar novamente.
O movimento ganhou ainda mais força com o lançamento da RepRep, a primeira impressora 3D, também no começo dos anos 2000. Dessa forma, os custos para produção de protótipos caíram bastante, facilitando que dúvidas fossem tiradas do papel e colocadas em prática, ato que fez o movimento deslanchar de vez.
Com a revolução digital e a “facilidade” de acesso aos recursos tecnológicos, essa ideia vem tomando conta de um grande número de pessoas interessadas em criar e compartilhar projetos pautados pela tecnologia. A proposta da Cultura Maker é que as pessoas tornem realidade suas próprias ideias, desenvolvam as próprias tecnologias, dispositivos e ferramentas, em projetos que reforcem suas leituras da sociedade e do mundo. Essa noção pode pender tanto para o lado social ou doméstico quanto para o empresarial (empreendedorismo), mas sempre pautando-se pelo cooperativismo e pelo compartilhamento de ideias. Um dos principais impactos da Cultura Maker é a democratização do conhecimento e a agilidade na confecção de produtos. Por décadas, as informações eram restritas e a indústria ditava as regras da produção e da comercialização de qualquer bem. Surgem, então, tecnologias simplificadas, plataformas como o arduíno, a fabricação digital com impressoras 3D, e programas de criação de jogos e animações em 2D e 3D.
A Cultura Maker rompe com uma lógica de mercado onde a indústria possui os meios de produção, as tecnologias, ela traz consigo o conceito de “open source”, que quer dizer código aberto, o objetivo é trabalhar de forma colaborativa, disponibilizar o que foi criado de forma gratuita , para que outros possam contribuir, criando assim uma rede. Assim sendo, a Cultura Maker propõe que o conhecimento não é mais dado, mas, sim descoberto trazendo uma sensação de co-autoria e pertencimento ao descobrir e experimentar determinado conhecimento, ideia ou ferramenta. A inovação como meio de colaboração, multidisciplinaridade, empatia, experimentação e interdependência para criar uma nova maneira de pensar que traz novos significados e a real possibilidade de mudança e impacto positivo. A troca entre pessoas, e cada uma delas traz consigo experiências pessoais e de aprendizagem únicas. Gerar impacto passa pelo desenvolvimento da empatia. Aprender-fazendo: errando, testando, experimentando e encontrando novas soluções.
Cultura Maker e educação:
Desde o fim do século passado, muitas escolas ao redor do mundo têm percebido a necessidade de se modernizar, trabalhando competências, habilidades e atitudes no lugar de conteúdo, dando sentido e propósito ao processo de aprendizado. Modernizar o ensino não é apenas instalar um datashow na sala ou equipar um laboratório com computadores. É mudar a mentalidade educadora e a forma de interação entre aluno e professor.
“As crianças farão melhor descobrindo (“pescando”) por si mesmas o conhecimento específico de que precisam; a educação organizada ou informal poderá ajudar mais se certificar-se de que elas estão sendo apoiadas moral, psicológica, material e intelectualmente em seus esforços. O tipo de conhecimento que as crianças mais precisam e o que as ajudará a obter mais conhecimento”. (Papert, 2008, p.135)
Papert (2008) acredita no potencial criativo que a tecnologia pode oferecer quando aplicada ao processo de ensino-aprendizagem, o autor defende que o emprego de aparatos tecnológicos é decisivo no cotidiano da aprendizagem das crianças, de maneira que, a utilização desses aparatos desencadeia o processo de aprender-fazendo, metodologia e filosofia da Cultura Maker.
Na educação, o movimento Maker surgiu com pensamento do matemático sul-africano Seymour Papert, seguidor do construtivismo de Piaget. Trabalhando com crianças e observando como elas trabalhavam com programas de computadores e eletrônica, Papert desenvolveu a teoria construcionista, cuja principal diferença em relação ao construtivismo é a valorização do meio cultural no desenvolvimento, onde o aluno constrói o conhecimento a partir dos seus interesses, enfatizando a construção de objetos reais na produção deste conhecimento utilizando a tecnologia como recurso.
Neste sentido, a Cultura Maker nos proporciona trabalhar esta autonomia, pois fazendo uso da metodologia e filosofia da Cultura Maker podemos trabalhar com a aplicação dos conhecimentos, utilizando a prática, partindo de uma situação ou desafio, de uma questão, levando o aprendiz a solucionar, criar, testar, desenvolvendo assim a criatividade e o senso crítico. As atividades baseadas na Cultura Maker contribuem para o desenvolvimento do senso crítico, tomada de decisão, bem como, para o trabalho em equipe, a autonomia e o fomento à cooperação e à solidariedade, pois, quando um aprendiz se vê como corresponsável na resolução de uma problemática, a sua visão de mundo se modifica, o seu horizonte é ampliado. Esse aprendiz se sente capaz e produz conhecimento, intervindo e transformando sua realidade, subvertendo a ordem social estabelecida.
A promoção da metodologia-filosofia da Cultura Maker nos processos de ensino-aprendizagem possibilita o surgimento de diferentes competências, habilidades e atitudes. O trabalho em grupo, se comunicar, reconhecer fraquezas e fortalezas passam a fazer parte da construção educacional.
Referências:
BLIKSTEIN, Paulo. Travels in Troy with Freire: Tecnology as an agente for emancipation. In: NOGUERA, Pedro; TORRES, Carlos Alberto (Ed.). Social justice education for teachers: Paulo Freire and the possible dream. Rotterdam: Sense. 2008
BLINKSTEIN, Paulo. Educação mão na massa. São Paulo, USP – Universidade de São Paulo. Entrevista para o site porvir durante a Conferência FabLearn Brasil.2016. Disponível em: <http://porvir.org/especiais/maonamassa/?gclid=Cj0KCQjwnNvaBRCmARIsAOfZq-3osMD1faI72ktI-caMXwySkVQsMnq3EBpDwHCJOg5Fa187ZpY-kk8aApqIEALw_wcB>. Acesso em: maio, 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 24ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.1997.
PAPERT. Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Trad. Sandra Costa. Ed. Revista. Porto Alegre: Artmed. 2008.
ROCHA, A.S. Pequenos Inventores: Cultura Maker e a Produção de Conhecimentos De Crianças No Sesc Madureira. In: II Congresso Mundial sobre a Infância e Adolescência, 2019, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: xxx.2019. p.1-13.
Sesc Carta da Paz Social. Rio de Janeiro. 1946.
Sesc RJ
Gerência de Educação
Arte, Ciência e Tecnologia
Elaboração: Adriano Rocha (Sesc Madureira)
Bruna Domiciliano (Sesc Ramos)
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Crédito da Foto: Artem Podrez / Pexels
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